29 de set. de 2008
28 de set. de 2008
Crítica - A crítica teatral e sua função nos novos tempos
Qual a função do crítico dramático hoje? Será ele ainda um pensador ou simples divulgador de teatro?
A crítica é inerente à produção da cultura dramática. Não se pode imaginar o desenvolvimento de um teatro nacional sem o respaldo de intelectuais conhecedores da arte, capacitados à análise e discussão do fenômeno estético. Sob esse ponto de vista, a crítica tem função analítica e organizadora das diferentes correntes de pensamento que incidem na produção dramática. Isso não se altera com a mudança do calendário e permanecerá valendo no século que se inicia.
O que me parece importante discutir é o espaço da crítica nas novas conjunturas e em face das tecnologias que transformam radicalmente os meios de comunicação. Por tradição, temos a imagem do crítico ligada a um periódico, à coluna de um diário ou semanário, e sua função confunde-se em certa medida à do jornalista: informa o leitor sobre a qualidade do espetáculo. Isto é verdadeiro... ou melhor, é uma meia verdade. O jornalista ao redigir a notícia deve ser objetivo, ater-se ao fato e não interpreta-lo; deve ser tão imparcial quanto possível. Já o crítico é também objetivo, mas interpreta o fato (no caso, a obra colocada em cena) e é apenas relativamente imparcial, já que a apreciação da obra cênica tem muito de subjetivo, representando antes de tudo um ponto de vista – o ponto de vista do crítico. Diferenças que separam nitidamente a função do crítico à do jornalista, embora nada impeça que uma pessoa exerça ambas as funções com muita competência.
O problema dessa imagem do crítico é que o afasta do criador cênico para aproximá-lo do leitor do periódico. Numa simplificação, apenas o leitor seria o interlocutor do crítico, dificilmente o artista. Isto leva à crença de que crítica desfavorável ao espetáculo determina o fracasso do mesmo; assim como crítica favorável engorda a platéia. Crença que, no Brasil, é sistematicamente negada pela realidade: muitos espetáculos francamente repudiados pela crítica tornam-se triunfos de bilheteria e outros, elogiados pela crítica, ficam com as salas vazias de espectadores. Então a crítica é uma inutilidade? Certamente, como inútil é a própria arte. E quanto mais gratuita for, quanto menos estiver “a serviço” do que quer que seja, mais próxima estará de trazer grandes benefícios à sociedade.
Já ouvi vários críticos – e dos bons – colocarem-se como “espectadores privilegiados”. Permito-me discordar deles. Na verdade, o bom crítico domina um instrumental teórico que pouco espectador possui, e tem o olho treinado para ver sutilezas, movimentos e gestos cênicos, conseguindo imediatamente relaciona-los à obra ou ao pensamento poético que os inspira ou que se pretende materializar cenicamente. Dessa relação é que nasce o ponto de vista crítico. Assim, o crítico é um especialista e não um “espectador privilegiado”. Vê o espetáculo como um pensamento transformado em imagens, sons, movimentos, luzes, e discute esse pensamento. Sua interlocução com o leitor do diário é positiva. Não qualquer leitor, certamente, mas aquele que tem algum interesse pela arte. A leitura constante de boas críticas ajudará esse leitor a educar a sensibilidade, a desenvolver capacidade analítica, habilitando-se à perfeita fruição do produto estético – deixa de ser mero “consumidor”.
Sendo pessoa capaz de ler e discutir o pensamento veiculado pela obra (ou o pensamento que é a obra), outro importante interlocutor do crítico é o próprio artista, o criador cênico. A relação entre esses personagens é sempre complicada, pois implica a imagem que cada um faz de si mesmo e do seu trabalho. Às vezes tal relação desanda em agressões. Mas, sobra, inevitavelmente, a reflexão expressa na crítica que, de uma maneira ou de outra, oferece algum subsídio ao criador. E esse fato exprime, no contexto do teatro atual, novos campos e novos espaços onde a atuação do crítico está muito mais próxima à do criador, estabelecendo novos modos de diálogo.
Nesses novos espaços, ainda não suficientemente explorados nem resolvidos, surgem duas figuras que nem sempre são encarnadas por críticos, mas cujas funções estão absolutamente vinculadas ao exercício crítico: a do dramaturg ou dramaturgista e a do programador. A primeira tem ligação orgânica com o trabalho criativo, na medida em que busca junto dos criadores cênicos estabelecer perspectivas para a interpretação da obra. A segunda, faz ponte entre a criação estética e o público, buscando captar a dinâmica da produção teatral e organizando sua mostra em determinados locais.
No Brasil, há pelo menos duas décadas, proliferam festivais ou mostras competitivas, em cidades do interior, alguns de âmbito nacional, onde críticos (embora nem sempre críticos) são contratados como membros de comissão julgadora, tendo que debater com os artistas e o público cada obra apresentada. Constitui um exercício estimulante da crítica imediata, direta, provocando um diálogo proveitoso tanto para o crítico quanto para os criadores, também para o público presente e, muitas vezes, participante do debate. Desse modo, vemos ampliarem-se os espaços da crítica, embora construídos caótica e irregularmente. Os periódicos, hoje, parecem ameaçados pela Internet. Mas seria um exagero estimar a “morte” da imprensa diária, como foi exagero estimar que o cinema mataria o teatro e, depois, que a televisão mataria o cinema. Mais legítimo seria louvar o aparecimento de um novo meio para veicular idéias. Surgem na rede sites noticiosos, abrigando links de crítica teatral. Porém, quase sempre, esses sites reproduzem no novo meio linguagens e critérios da imprensa diária, confinando a reflexão crítica a planos secundários. A Internet, no entanto, é um meio generoso, amplo, democrático, e poderá vir a ser importante espaço à reflexão crítica, com sites dirigidos ao público interessado na arte, sem restrições nem condicionamentos editoriais.
Creio que a função da crítica teatral neste novo século continua essencialmente a mesma, porém dinamizada e difundida por novos espaços. Justamente esses novos espaços é que devem ser avaliados, otimizados, de modo que a crítica possa readquirir seu sentido didático, provocador e criativo. A crítica teatral frente às novas tendências cênicas Ao longo do século 20 a encenação foi adquirindo autonomia, separando-se da literatura, da qual tradicionalmente era entendida como subproduto. As revoluções dos conceitos cênicos desde Antoine até Brecht, passando por Paul Fort, Gordon Craig, Stanislavsky, Meyerhold, Komisarjevsky, Artaud e tantos outros, abriram horizontes que foram exaustivamente explorados por criadores no mundo todo, depois da Segunda Guerra, incidindo em novos paradigmas, novas linguagens, conferindo à encenação peculiaridades que a tornam um tipo de expressão singular, único, provido de dinamismo próprio. Sem dúvida o texto dramático continua sendo um dos fundamentos do teatro, mas deixou de ser o fundamento. Por outro lado, encenadores geniais, que dominam códigos estabelecidos e os transgridem, revelam valores no texto dramático que o crítico e o ensaísta tradicionais não conseguiam vislumbrar. A liberdade de desconstruir e reconstruir, marca da encenação contemporânea, possibilita a exploração desses valores numa viagem para dentro da obra, examinada e vivenciada na prática cênica e não apenas com o instrumental teórico do ensaísta. São procedimentos e códigos novos que desvendam horizontes insuspeitados em peças de Shakespeare, por exemplo.
No Brasil, a obra de Nelson Rodrigues era depreciada, vista como comédia de costumes com fortes tonalidades pornográficas, até o encenador Antunes Filho desvendar suas potencialidades poéticas ao reunir quatro peças do autor no espetáculo Nelson Rodrigues, O Eterno Retorno, reafirmando a condição mítica dessa obra com Paraíso, Zona Norte. A técnica de Antunes Filho no trabalho com o texto representa tendência já consolidada no teatro brasileiro -- faz uma cirurgia na peça, buscando através da pesquisa e do estudo seus elementos essenciais, dispensando os dados acessórios, ilustrativos, os comentários paralelos, para trabalhar os aspectos nucleares do drama. Técnica que exige do encenador grande conhecimento da arte, pois não se trata de simplesmente “cortar” o texto, mas de revelar a poesia: elimina partes supérfluas para desvendar a estrutura poética. Outra tendência marcante do teatro brasileiro atual dispensa as formas arquitetônicas tradicionais e concretiza o drama em espaços inusitados. Há, nessa linha, o trabalho radical de Ricardo Karman, que leva o espectador para dentro de um túnel em construção, muito profundo, com a extensão de 800 metros, passando sob um rio; em outra encenação, utiliza aterro sanitário, teatro em ruínas, floresta e represa, conduzindo os espectadores a esses locais em ônibus, num trajeto de aproximadamente 140 quilômetros. Ou o trabalho de Antônio Araújo, que torna os próprios espaços protagonistas do drama. As três obras realizadas por Araújo nessa linha – Paraíso Perdido (em igreja), O Livro de Jó (em hospital) e Apocalipse 1,11 (num presídio) – são exemplos eloqüentes de diálogos da encenação com o espaço, estabelecendo novo conceito de ação dramática. Ponderável também a incidência de tentativas da fusão de teatro com dança, onde o diálogo da dramaturgia com a coreografia funde códigos das duas áreas criando nova linguagem. Com Domésticas, Renata Melo realiza um discurso inovador, atestando a viabilidade dessa idéia que reduz, tanto o texto dramático quanto o desenho coreográfico convencionais, a suportes da linguagem cênica. E assim o teatro se reinventa a cada passo, exigindo do crítico novas posturas, novas maneiras de se relacionar com a obra e nova ética.
Não faz mais sentido a crítica que se prende ao texto como um náufrago a um pedaço de madeira, passando rapidamente sobre as questões da encenação. E também não faz mais sentido o crítico que se mantém afastado do fazer teatral cotidiano, como se a relação direta com os criadores fosse conspurcar o seu trabalho. Não faz mais sentido fechar-se numa interpretação teórica do original e não admitir que possa haver diferentes leituras da obra, considerando “um erro” qualquer interpretação diferente da sua. O crítico contemporâneo tem que soltar as amarras, deixar-se conquistar pelo dinamismo do teatro, admitir a contradição como matéria-prima do pensamento dramático em sua materialização cênica. Evidentemente o texto continua sendo um grande referencial da criação cênica, mas interessam igualmente os processos criativos, os meios pelos quais o artista procura atualizar os velhos textos e, com eles, desvendar novos horizontes, novo entendimento do ser humano, da condição humana. Mas o próprio processo pode, muitas vezes, implicar a dramaturgia, dispensando o texto formal ou convencional. O crítico contemporâneo precisa aceitar os desafios desse teatro. Precisa dialogar com os criadores, informar-se dos processos. Só assim evitará o risco de confundir um dado novo com modismo e enaltecer modismos como inovações. O polêmico Antunes Filho desabafou certa vez, frente a confusão de conceitos de alguns críticos em comentários sobre montagens suas: “Não se pode ver os novos paradigmas com o olhar velho”. E essa é uma grande verdade.
MILARÉ, Sebastião. A crítica teatral e sua função nos novos tempos.http://www.antaprofana.com.br/materia_atual.asp?mat=295. 28/09/2008.
Foto: Cena de "O Livro de Jó", pelo Teatro da Vertigem, direção de Antônio Araújo.
26 de ago. de 2008
FILM, de Samuel Becket. 1965.
25 de ago. de 2008
A quem interessar, possa...
7 de ago. de 2008
Un Homme et Une Femme - Claude Lelouch (1966)
Eu ODEIO casais felizes, acho que a felicidade um TÉDIO sem fim e não acredito no amor eterno ou num casamento duradouro. Me dói mais ainda o discurso de quem está apaixonado... Arggggg!!!! Mas, convenhamos, quando a gente vê uma cena como esta, não dá vontade de sair por ai amando...
6 de ago. de 2008
Bye Bye Life - "All That Jazz" - 1979
4 de ago. de 2008
Crítica - Como me tornei um estúpido: texto inteligente e encenação competente
O que levaria um indivíduo profundamente inteligente, mas com tendências depressivas, a assumir uma atitude radical de, da noite para o dia, querer se tornar um exímio e completo ignorante? E se esta pessoa em questão é um jovem, na faixa dos seus vinte e cinco anos de idade, que por causa dessa enorme sapiência e leitura apurada do mundo, apresenta-se como um idoso de espírito?
Questionamentos como estes assombram e perturbam o personagem Antonin no espetáculo Como Me Tornei Um Estúpido, em cartaz no Café Cultural em Botafogo. Inspirado no romance do francês Martin Page, esta comédia acompanha a trajetória pela qual o problemático protagonista percorre, a fim de tornar-se literalmente um estúpido, pois Antonin acredita que sua profícua intelectualidade o afasta das demais pessoas que o cercam, decidindo a sofrer, na própria pele, o carma vivenciado por aqueles que se embriagam, que decidem se suicidar ou que procuram outra profissão na vida, diferentemente daquela que estudou e se especializou na universidade, ocupação esta definida pelo próprio Antonin como estúpida.
O conjunto da encenação é bastante simples, adequado ao pequeno espaço onde é representado. A transposição do texto literário ficou a cargo de Morena Cattoni, também diretora do espetáculo, que optou por não adequar o romance de ficção ao padrão formal de um texto dramático tradicional (caracterizado pela construção de personagens determinados psicologicamente e que possuam um discurso definidor de suas personalidades). No interior da cena, a narração dos episódios misturam-se aos instantes dramatizados pelos diálogos. Os atores revezam-se na enunciação da narrativa, ora falando diretamente para o público, ora introduzindo-a na ação cênica dos personagens. O relato e a vivência deste relato estão distribuídos de forma harmoniosa.
Como o lugar teatral é limitado, a definição do espaço cênico se dá pela manipulação de cubos usados pelos atores na representação. Não há um cenário específico. Antonin transita por um bar, onde decide, sem resultado, tornar-se alcólatra; pratica um curso que ensina como se tornar um suicida de sucesso (um dos melhores quadros do espetáculo) e decide procurar uma namorada numa agência de relacionamentos. Isto só para citar alguns exemplos. Outros adereços cênicos, assim como certa indumentária que auxilia na composição do figurino também ajudam a determinar a situação vivenciada pelo protagonista.
Os quatro atores que dão vida aos diversos personagens do espetáculo são Fred Araujo, Julia Deccache, Marcelo Frankel e Vívian Queirós. Todos eles revezam-se no papel de Antonin, impregnando-lhe caracteres diferenciados. Fred Araújo é o que melhor encarna o protagonista, mostrando intensidade e forte presença de palco. A mesma postura o possui quando interpreta papéis menores. Julia Deccache está brilhante no papel da professora do curso de suicídio. Marcelo Frankel apresenta, no conjunto da representação, um fraco domínio de modulação vocal. Seu Antonin é por vezes monocórdio. Pode ser que, durante o tempo em que a peça estiver em cartaz, ele encontre o colorido, a variação necessária que as falas do protagonista precisam ter. Vivian Queiroz mantém atuação discreta. Sua versão de Antonin, assim como seu desempenho nos papéis secundários são satisfatórios. Ressalvas à parte, o entrosamento entre eles permite o bom andamento do espetáculo, prendem a atenção da platéia, assim como obtém as piadas no tempo certo. Méritos também da direção do espetáculo.
A predileção por encenar textos não escritos especificamente para o teatro é sempre um desafio para aqueles que se propõem a fazê-lo. A escolha do que vai ser levado à cena requer uma atenção redobrada na hora de transpor de um gênero para o outro. Mesmo com as limitações que o espetáculo enfrenta, a peça é uma boa pedida para quem quiser se divertir desfrutando de um texto divertido e inteligente.
2 de ago. de 2008
Crítica - Mario Bortoloto no Rio de Janeiro
Maldito, marginal, underground, a passagem do ator e dramaturgo paulista Mario Bortoloto, que ficou em cartaz no Teatro Ziembinski durante quatro semanas com a 2ª Mostra Cemitério de Automóveis, com os espetáculos Chapa Quente, Efeito Urtigão, Kerouac e A Queima Roupa, despontou num momento necessário em que paira sobre esta caretíssima temporada carioca uma certa padronização de gêneros teatrais cujas fórmulas, já conhecidas por todo público, são garantias de sucesso absoluto e se estendem por anos e anos e anos.
Esta não é a primeira vez que a trupe toma de assalto o teatro localizado no tradicional bairro tijucano. Em 2005 eles estiveram aqui apresentando espetáculos como O Que Restou do Sagrado e Getsêmani, para citar dois exemplos. A dramaturgia de Bortoloto é visceral, violenta. Seus personagens são tipos quase inumanos, grotescos, sem qualquer espaço pra divagações do tipo moral, que vivem numa metrópole onde o lema de vida é: cada um por si e Deus por todos. Nem o Todo Poderoso sequer tem noção do leão que seus filhos matam, diariamente, para conseguir o aval da sobrevivência.
Ali, o palco serviu de tribuna para os lavadores de carro, policiais corruptos, mauricinhos e patricinhas, ex-detentos que saem pior do que quando entraram na penitenciária, pilantras disfarçados de trabalhadores, traficantes, todo núcleo que compõe sempre as melhores páginas policiais dos jornais e noticiários de tv especializados no assunto. É interessante notar como estes personagens parecem habitar, todos eles, o mesmo bairro, ou o mesmo prédio caíndo aos pedaços, ou o mesmo pé sujo, com se eles se conhecessem mesmo de vista ou se esbarrassem em alguns momentos de suas vidas. Considero a visita de Mario Bortoloto mais uma vez necessária pra quebrar a monotonia cor de rosa dos nossos palcos. Precisamos de mais rock'nroll na veia. Precisamos ser mais audaciosos nos temas e nos assuntos tratados. Esperemos ansiosos uma terceira mostra desse cara que é o hardcore do teatro brasileiro atual.
1 de ago. de 2008
Crônica - O Eterno Retorno do Batman
Ainda não assisti ao novo filme do Batman que está em cartaz nos cinemas. Alias, eu confesso a vocês que nunca fui fã de nenhum destes heróis em quadrinhos que, de uns tempos pra cá, têm ganhado espaço na tela grande. Lá longe, nas poeiras de minhas reminiscências televisivas, lembro-me do seriado do Incrível Hulk, mas o meu interesse ficou perdido por lá mesmo. Não me tornei nem um adolescente fissurado, nem um adulto nostálgico. Na verdade, só depois de burro velho é que fui me interessar pela saga dos mutantes dos X Men - isso depois de ter assistido ao segundo filme da série. Sim, porque eu não assisti a série na ordem cronológica: o primeiro, depois o segundo, depois o terceiro. Pelo contrário! Também só fui conferir a película por dois motivos: Um, porque eu, na época, trabalhava no cinema do Shopping Iguatemi na ingrata função de auxiliar de portaria - ou lanterinha se preferir. Então, entre uma sessão e outra, lá estava eu, conferindo as peripércias de Volverine e companhia, se bem que eu torcia mais para o Magneto e sua trupe de mutantes malignos. Dois, eu li a crítica muito bem escrita e elogiosa do Rodrigo Fonseca quando ele ainda escrevia pro JB. Pronto, só por causa disso, só pelas quatro ou cinco estrelas que o filme ganhara dos enfurecidos críticos ou só porque o bonequinho estava aplaudindo de pé, eu me achei no direito de engolir o orgulho e encarar um pipocão hollywodiano, numa sala abarrotada de adolescentes idiotas que não costumam se comportar num cinema. Juntei-me aos selvagens em plena efervecência hormonal e no fim estava gritando e tacando pipoca no primeiro cabeção que me atrapalhasse a visão. Hoje, sempre que posso, paro e assito os desenhos da série que passam na televisão, no ingrato horário do inicio da tarde. Mas, voltando ao Batman! Eu me lembro que, quando eu era criança (se não me falha a memória, o ano era 1986 ou 87) no SBT - na época era TVS - o seriado do homem morcego - aquele dá década de 60, com o Adam West - o adiposo Batman - e Burt Ward no papel de Robin - revezava o horário da noite com o já idoso Chaves. E entre um pow, um sock, um slap da vida, deixei de lado o interesse em acompanhar suas andanças pelas noites perigosas e cheias de ciladas de Gothan City. Mas parece que o interesse está voltando. E é engraçado como os nossos renomados formadores de opinião têm comentado sobre este novo filme que estreou recentemente em circuito. Lendo hoje a coluna do Veríssimo, me deparo com uma frase do tipo: "Está aí, um super herói do iluminismo". Sua coluna de quinta feira passada (31/07) intituladaPoderes é necessariamente uma análise aprofundada na psiquê do herói noturno, divagando entre outos assuntos, sobre filosofia, moral e ética... Acho que já descobri o que fazer neste fim de semana.
22 de jul. de 2008
Crítica - Resistir é Preciso – O trabalho de Adaílton Medeiros à frente do Ponto Cine em Guadalupe.
O tema sobre distribuição de filmes nacionais em salas de exibição afastados dos grandes centros ou de bairros com maior acesso à bens culturais (leia-se Zona Sul) do Rio de Janeiro é assunto que rende discussões intermináveis.
Não estou querendo com isso prolongar tal discussão, mas sobre a reportagem lida no jornal O Globo[1] desta terça feira, cuja primeira página do Segundo Caderno tratava-se de uma resposta do Sr. Adaílton Medeiros ao cineasta Murilo Sales, o qual sugeria a criação de salas digitais pelo Brasil, desconhecendo que o único espaço com tal recurso em nossa cidade é o Ponto Cine, sala de projeção localizado no bairro de Guadalupe – Murilo se manifestara à respeito, afirmando que sabia da existência do espaço, porém desconhecia o interesse do próprio administrador do cinema de lançar o filme em sua sala, confirmando logo em seguida, o lançamento de "Nome Próprio" para sexta feira, dia 25/07/2008 – é importante deixar registrado o reconhecimento do trabalho solitário de um indivíduo que, assim como uma voz solitária perdida na imensidão da mediocridade, batalha de forma desinteressada pela qualidade de vida de uma parcela da sociedade carioca desprovida de cultura através do cinema, buscando fomentar nesta platéia específica, o gosto e o hábito de assistir e prestigiar produções nacionais fora dos padrões convencionais que a grande indústria do entretenimento popular brasileira (leia-se Globo Filmes), atualmente tenta produzir articulada com a estética da indústria hollywoodiana.
Esta resposta escrita pelo próprio Adaílton ao artigo de Murilo Sales é necessária para que nós possamos refletir como realmente vale a pena ter força de vontade e uma parceria competente para levar à cabo esse tipo de empreitada, que só dá resultado de médio à longo prazo, vide o exemplo do Grupo Nós do Morro, que ao longo destes vinte anos de estrada e perseverança, conseguiu formar uma platéia cativa na própria comunidade do morro do Vidigal, onde a companhia foi gerada, além de ter o reconhecimento da crítica e do grande público freqüentador dos nossos palcos à cada novo trabalho estreado.
Além do Ponto Cine, o único pólo de diversão e entretenimento dos moradores de Guadalupe é a Lona Cultural Terra. Os moradores dependem da programação que lhes são oferecidos, sem ter muito poder de escolha. A partir daí, quem quiser acompanhar uma temporada teatral de grande sucesso ou assistir um filme mais cultuado, que não tem espaço nas salas de cinema dos shoppings centers locais, são necessariamente obrigados à fazer o longo percurso de se deslocar das suas casas até o Centro ou Zona Sul.
Sobre os atuais "múltiplex" estruturados para dentro dos shoppings, algumas considerações devem ser feitas. O primeiro ponto a ser discutido trata-se do preço dos ingressos cobrados nos cinemas que abrange a grande população suburbana. Com a proliferação dos grandes centros de loja, os tradicionais cinemas de rua modificaram seu perfil, se adequando ao novo espaço e à demanda de quem o freqüenta, desdobrando-se em numerosas salas, abrigando a maior quantidade de público, assim como determinado segmento de filme que os agrade, os pipocões hollywoodianos. A grande questão é que, hoje, estas salas de exibição cobram praticamente o mesmo preço que os cinemas da Zona Sul cobram na venda de seus ingressos. Quem for assistir o filme Hancock, protagonizado pelo astro Will Smith, no UCI do Norte Shopping ou no Knoplex do Nova América, por exemplo, vai ter que desembolsar de R$17 a R$19 reais, nos fins de semana, preço mais caro que o ingresso vendido no Cinemark de Botafogo – concorrente mais direto – cujo valor da sessão varia de R$15 à R$17 reais. O mesmo filme pode ser visto no vizinho Unibanco Artplex, onde cobra, atualmente, R$16 reais. Outro exemplo é o megasucesso Batman, onde o elevado preço do ingresso, no Shopping Tijuca, equivale ao do tradicionalíssimo Roxy em Copacabana, que cobra R$15 reais até às 17h e R$18 após este horário. É necessário afirmar que há lugares no subúrbio do Rio onde podemos assistir os mesmos filmes citados, com preços mais em conta, porém, mesmo assim, cinema de shopping é caro, e o que eu quis focar com estes levantamentos descritos é que há áreas de concentração, na mesma Zona Norte, onde o público paga o mesmo e caríssimo ingresso vendido como se estivesse em alguma sala de exibição da Zona Sul carioca. Em outras palavras, diversão de classe média.
O segundo ponto refere-se ao espaço cedido por estas “gigantes” distribuidoras ao mercado nacional. É raríssimo deparar-nos com filmes nacionais de produções medianas ou com poucos recursos para lançamentos, em mídia impressa ou televisiva, que conseguem entrar em cartaz nestes cinemas voltados basicamente para o consumo cinematográfico considerado digestivo. Quando conseguem, tem a duração estipulada para uma semana somente. Alega-se que o prejuízo é grande, ou que determinado tipo de público não está habituado a assistir certos filmes. Então, pré julga-se que, de alguma localidade pra cima, ou seja, quanto mais se afastado do Centro ou da Zona Sul carioca não há vida inteligente ou que não há nenhum ser humano que goste de contemplar determinadas obras que primam por uma atenção mais apurada.
Assim que Murilo Sales esclareceu que, o que aconteceu entre ele e Adaílton Medeiros foi uma tola falta de comunicação, permitindo desde já o lançamento do seu mais recente filme, estrelado por Leandra Leal, baseado na obra de Clarah Averbuck neste sexta feira próxima, em seu cinema de Guadalupe, que outros cineastas se entusiasmem e procure o local para divulgar seus filmes, criar diálogos com aquela platéia, possibilitando a troca, a discussão, a cultura sendo exercida de modo democratizado e cidadão.
Creio que o caminho para esta situação seja a propagação de mais Pontos Cine em diversas áreas da cidade, ou pelo menos que os espaços cinematográficos se tornassem mais híbridos. Será que este tipo de pensamento ainda é considerado utópico? No bairro do Méier, a indefinição sobre o destino do Imperator continua rendendo pano pra manga. Agora, nas mãos da prefeitura, nada se sabe sobre uma atual reabertura da casa. E assim é tratada a coisa pública pelos nossos governantes.
[1] MEDEIROS, Adaílton. Arroz, feijão e cinema. O Globo, Segundo Caderno, 22/07/2008.