4 de ago. de 2008

Crítica - Como me tornei um estúpido: texto inteligente e encenação competente

O que levaria um indivíduo profundamente inteligente, mas com tendências depressivas, a assumir uma atitude radical de, da noite para o dia, querer se tornar um exímio e completo ignorante? E se esta pessoa em questão é um jovem, na faixa dos seus vinte e cinco anos de idade, que por causa dessa enorme sapiência e leitura apurada do mundo, apresenta-se como um idoso de espírito?

Questionamentos como estes assombram e perturbam o personagem Antonin no espetáculo Como Me Tornei Um Estúpido, em cartaz no Café Cultural em Botafogo. Inspirado no romance do francês Martin Page, esta comédia acompanha a trajetória pela qual o problemático protagonista percorre, a fim de tornar-se literalmente um estúpido, pois Antonin acredita que sua profícua intelectualidade o afasta das demais pessoas que o cercam, decidindo a sofrer, na própria pele, o carma vivenciado por aqueles que se embriagam, que decidem se suicidar ou que procuram outra profissão na vida, diferentemente daquela que estudou e se especializou na universidade, ocupação esta definida pelo próprio Antonin como estúpida.

O conjunto da encenação é bastante simples, adequado ao pequeno espaço onde é representado. A transposição do texto literário ficou a cargo de Morena Cattoni, também diretora do espetáculo, que optou por não adequar o romance de ficção ao padrão formal de um texto dramático tradicional (caracterizado pela construção de personagens determinados psicologicamente e que possuam um discurso definidor de suas personalidades). No interior da cena, a narração dos episódios misturam-se aos instantes dramatizados pelos diálogos. Os atores revezam-se na enunciação da narrativa, ora falando diretamente para o público, ora introduzindo-a na ação cênica dos personagens. O relato e a vivência deste relato estão distribuídos de forma harmoniosa.

Como o lugar teatral é limitado, a definição do espaço cênico se dá pela manipulação de cubos usados pelos atores na representação. Não há um cenário específico. Antonin transita por um bar, onde decide, sem resultado, tornar-se alcólatra; pratica um curso que ensina como se tornar um suicida de sucesso (um dos melhores quadros do espetáculo) e decide procurar uma namorada numa agência de relacionamentos. Isto só para citar alguns exemplos. Outros adereços cênicos, assim como certa indumentária que auxilia na composição do figurino também ajudam a determinar a situação vivenciada pelo protagonista.

Os quatro atores que dão vida aos diversos personagens do espetáculo são Fred Araujo, Julia Deccache, Marcelo Frankel e Vívian Queirós. Todos eles revezam-se no papel de Antonin, impregnando-lhe caracteres diferenciados. Fred Araújo é o que melhor encarna o protagonista, mostrando intensidade e forte presença de palco. A mesma postura o possui quando interpreta papéis menores. Julia Deccache está brilhante no papel da professora do curso de suicídio. Marcelo Frankel apresenta, no conjunto da representação, um fraco domínio de modulação vocal. Seu Antonin é por vezes monocórdio. Pode ser que, durante o tempo em que a peça estiver em cartaz, ele encontre o colorido, a variação necessária que as falas do protagonista precisam ter. Vivian Queiroz mantém atuação discreta. Sua versão de Antonin, assim como seu desempenho nos papéis secundários são satisfatórios. Ressalvas à parte, o entrosamento entre eles permite o bom andamento do espetáculo, prendem a atenção da platéia, assim como obtém as piadas no tempo certo. Méritos também da direção do espetáculo.

A predileção por encenar textos não escritos especificamente para o teatro é sempre um desafio para aqueles que se propõem a fazê-lo. A escolha do que vai ser levado à cena requer uma atenção redobrada na hora de transpor de um gênero para o outro. Mesmo com as limitações que o espetáculo enfrenta, a peça é uma boa pedida para quem quiser se divertir desfrutando de um texto divertido e inteligente.

Um comentário:

  1. Todo artista gosta do reconhecimeto. E eu posso dizer que no dia 5 de agosto de 2008 este reconhecimeto veio através das suas delicadas palavras.
    Obrigado,Pedro, em um momento cheio de incertezas e medos vc me indica que estou no caminho certo.

    Que venha a próxima crítica !!

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