De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.
(Adélia Prado)
23 de nov. de 2010
Objeto de Amar
5 de nov. de 2010
Conto 10 - Escrita compartilhada - Isso pode ser qualquer coisa
21 de ago. de 2010
ENEARTE Ouro Preto 2010
De 19 a 25 de setembro, a cidade histórica de Ouro Preto irá sediar o XIV Encontro Nacional dos Estudantes de Artes. Eu estarei marcando presença lá com a performance que elaborei e apresentei na UNIRIO intitulada Carne, inspirado no romance de Julio Ribeiro. A inscrição já foi feita e agora é esperar a confirmação da data da apresentação. Vamos torcer para que dê tudo certo!!!!! Merda pra nós!!!!!
Maiores informações:
4 de ago. de 2010
1 de ago. de 2010
Entrevista de Hans-Thies Lehmann
A tese do teatrólogo alemão Hans-Thies Lehmann não podia ser mais clara: devemos entender o teatro como experiência que nos transforma, sejamos nós críticos, criadores ou espectadores. Mais do que insistir em discursos que alimentam e sustentam a meia-verdade de “um estado de crise permanente”, é importante compreender que mecanismos podem ser explorados, de modo a que o teatro se possa desenvolver liberto de falsas ilusões - sejam estas a fabricação de definições ou a criação de valores morais. Lehmann propõe uma das mais lúcidas aproximações ao que gostamos de apelidar, não sem alguma soberba, de “o papel da crítica”, numa reavaliação permanente do seu papel de agente activo e não tolhido por uma retórica desculpabilizadora. Perfeitamente consciente de que o discurso crítico é um acto de observação, sensível às influências, tanto conscientes como inconscientes, Hans-Thies Lehmann, traça um perfil pragmático, e francamente crente, sobre o papel do teatro (e da crítica) nos dias de hoje.
Estar lá pela experiência
entrevista Tiago Bartolomeu Costa
O último congresso da Associação Internacional de Críticos de Teatro [Sofia, Abril de 2008] discutiu o papel do teatro no violento mundo de hoje, e de como pode a crítica intervir quando parece fundar o seu trabalho em planos tão negros e depressivos. Como reage a tal proposta?
Uma das funções do teatro ao longo dos tempos tem sido a de criar imagens, ou articulações, que nos permitam aceder à totalidade dos problemas humanos de uma forma diferente à análise abstracta. Essa função, que é a de produzir imaginação, tem-se vindo a tornar cada vez mais vital pelo facto de as realidades serem, de dia para dia, cada vez mais abstractas, tanto no domínio das ciências, da economia, da política, da teoria. Precisamos de vários níveis de imagens. Antigamente tínhamos o mito, e as imagens permitiam compreender a vida e o universo de forma diferente. Esta função teatral completa-se por uma segunda função: agora que a representação é regulada, as comunicações reguladas são também a norma e a realidade da vida. O Teatro, na maior parte das suas formas, possui a especificidade de ser uma comunicação directa. Diria ainda que considero no termo Teatro todas as formas de acção, ou representação, que nos implicam enquanto espectadores, de maneira diferente da televisão ou do cinema. O teatro deve ser julgado de maneira crítica pelo seguinte critério: será que, ainda que público, me dá a oportunidade de viver uma experiência comigo mesmo? Enquanto público eu sinto-me próximo do teatro/da representação sem uma ideia preconcebida de como me aproximar. Eu não tenho certezas seguras sobre aquilo que está a ser representado. (Isto pode ser uma cadeira, como diria Van Gogh, ou nada de nada). Nós não vamos ao teatro quando vamos ver uma representação de realidade concentrada: esta é a ideia tradicional de mimesis grega. Nós vamos ao teatro para viver uma experiência. É improdutivo esperar do teatro imagens e mensagens ditas “positivas”. Trata-se de fazer articular a realidade. E como gostava de dizer Heiner Müller: “A articulação é uma contribuição para ultrapassar essa mesma realidade.” E isso existe graças ao “comentário”. Veja-se o caso de Sarah Kane. Eu não creio que o objectivo das suas peças seja o de estas serem aborrecidas ou sombrias. Ela chama aos seus escritos, “textos para uma representação” e não “dramas”. Ela utiliza a expressão “textos para uma representação” porque sabe que o teatro utiliza sobretudo um tipo de mecanismo, um tipo de comunicação, que deriva de uma situação de representação. Parecer-me-ia infantil esperar do teatro que nos apresentasse imagens de perdão. Tenho muito receio, que na realidade, uma dada linguagem que proponha o perdão seja despoletada por um desejo de harmonia, quando a realidade em si se suporta no conflito. O teatro não serve para apresentar o perdão como modelo de normalização. O perdão está antes impregnado na prática artística. Dado que o teatro suporta a abertura, a comunicação, a compreensão, ele é assim capaz de nos munir de esperança, ou de uma reacção positiva, perante o mundo e, em particular, na articulação de realidades “trágicas” ou depressivas.
Pensa que procuramos encontrar normas morais como as que existiam nos textos da Grécia clássica? Mas depois de Nietzsche, Brecht ou Fukuyama, haverá ainda lugar para a moral?
Trata-se de uma questão muito importante e muito interessante. Levaríamos anos a falar dela. Ainda assim permita-me sublinhar um ou dois aspectos. Chegámos, nos dias de hoje, a uma separação total entre o nosso comportamento ético e [o nosso comportamento] estético. Ou seja, a arte sempre foi, e continua a ser, uma lugar onde somos capazes de articular as realidades para lá dos nossos julgamentos morais habitualmente superficiais. Eu não penso que a contribuição moral da arte, do teatro ou da representação possa derivar do seu conteúdo moral. Pelo contrário, o moralismo popular hoje é um perigo no domínio político e artístico. Por outro lado, duvido que exista nas tragédias gregas antigas uma “moral” contida nas suas tensões, ambiguidades e conflitos não resolvidos. Não há lugar para uma moral como a de certas peças do séc. XVIII. Uma fórmula que utilizo bastante é: “ A interrupção da estética: o seu corte [o autor utiliza, na conversa, o termo arcaico cesure]” Trata-se de uma função importante do teatro que nos envolva numa experiencia estética cativante, para logo a seguir nos colocar perante um corte, uma interrupção, que nos vai fazer tomar consciência de quão problemática pode ser a inocência do nosso comportamento estético. Por exemplo: Como devo reagir quando se passa em cena algo de moralmente censurável? Sinto-me satisfeito com a minha reacção? Neste sentido, a experiência que temos é uma experiência ética, que provavelmente coloca em causa o comportamento de todos os dias e nos dá matéria para reflectir sobre o nosso comportamento. Vi recentemente uma peça de Dea Loher, que se chamava Inocência [1], que me levou a pensar seriamente na maneira como a nossa aparente inocência é posta em causa mesmo quando não somos mais do que meros espectadores? Seremos nós verdadeiramente inocentes perante o que se desenrola à nossa volta mesmo quando não somos mais do que testemunhas? Destruir esta ilusão de inocência é deveras importante para o teatro. Todos sabemos que os média e comércio negligenciam o potencial provocador da arte. Uma questão suplementar e que, a meu ver, está ligada à possibilidade da voz crítica de, por assim dizer, insistir neste ponto a que chamo de “interrupção da estética. Se pensarmos em artistas como Sophie Calle ou Orlan, e em muitas outras representações, actividades e práticas políticas, podemos mais ou menos retirar uma conclusão geral: a actividade artística está, a um nível como nunca esteve, integrada na vida dos artistas. É extremamente difícil distinguir claramente entre a sua prática artística e a sua pratica “pessoal”.
Será isso possível porque estas aproximações autobiográficas e radicais não são apenas sobre quem as cria mas sobre aqueles que as vêm?
Estou completamente de acordo. É aliás a razão, e a condição necessária, para tornar esse trabalho interessante aos olhos dos outros. Podemos pensar durante horas sobre o gesto radical de utilizar o seu próprio corpo e não somente uma tela, a sua própria vida em vez de uma ficção. Mas o que é interessante aqui é que a ideia tradicional de obra de arte, enquanto realidade diferente da vida do seu criador, se perdeu. Parece-me que hoje os artistas têm a sensação de que esta indeterminação é o único meio para que a “interrupção do gesto estético” ocorra. E à medida que nos aproximamos de uma tal zona de indeterminação provocadora, o trabalho passa a ser sobre nós.
Como se prolongassem, num mundo pós-moderno, a ideia anunciada por Cristo :“Este é o meu corpo, tomai e comei-o”.
Sim, existe um aspecto masoquista, assim como um aspecto religioso, em todas as representações e isto tem a ver com a tendência de despertar naquele que observa um sentimento de culpabilidade. A equação “artista e Cristo” é familiar a esta intenção.Mas vou insistir num outro aspecto. Qualquer trabalho é absolutamente desinteressante se se tratar somente da manifestação de uma personalidade particular. Um tal trabalho não terá qualquer significação para os outros, não passará de uma história pessoal. Mas existe uma tensão interessante, como dissemos anteriormente, no facto de um gesto estético decisivo ser precisamente a destruição de uma distinção clara entre trabalho artístico e a personalidade do artista. Podemos dizer que fazer um trabalho artístico, utilizando como material a própria existência, torna-se pertinente na medida em que põe em questão aquele que observa. E qual é o seu potencial inato para fazer algo de diferente da vida? Um tal trabalho abre um espaço de possibilidade. Existe hoje uma determinada tendência, e eu penso que uma das razões para que tal aconteça é a radical comercialização de todos os objectos estéticos - corpos, objectos de arte, teatro, e até mesmo a prática da representação -, que faz com que, a antiga separação de determinadas práticas artísticas da restante realidade e vida, esteja em vias de ser desagregada. Devemos fazer frente ao facto de ninguém garantir que no futuro a arte continue a ser um território autónomo (mesmo historicamente isto nunca foi um dado adquirido). [A arte] poderá ser cruzada com toda a espécie de práticas em combinações imprevisíveis. E o teatro, e a representação, são práticas que se prestam perfeitamente à incorporação virtual de todos os aspectos do comportamento humano.
O que pressuporá um discurso crítico mais distanciado…
Se o estatuto prático e teórico da estética muda de maneira significativa, existem consequências a longo prazo no discurso crítico. Consequências essas que são já evidentes agora, mesmo passado pouco tempo. Se em alguns tipos de teatro, ou de representação, não se pode “fazer a experiência” senão como participante, onde fica a distância crítica? Como se pode ser distante de um objecto, de uma prática que depende em larga escala da capacidade, possibilidade, vontade, prazer de participar e de realizar? A discussão crítica coloca-se, então, face perante um dilema. Já não se trata de uma discussão distinta sobre categorias estéticas. E isso fará com que procurem argumentos na antropologia, na sociologia, mantendo-se sempre ligada à história de arte e à teoria de arte. Existe esta palavra-chave, “criticalidade”, sobre a qual numerosos teóricos gastam o tempo a reflectir sobre os novos meios de práticas críticas. De resto, como em numerosos outros domínios, da discussão crítica há cada vez menos lugar para posições ingénuas. [Este domínio da discussão crítica] ficará cada vez mais enformado do ponto de vista teórico, ao mesmo tempo que deve estar em contacto mais estreito com a realidade da pesquisa artística. A discussão crítica deverá também, e constantemente, reflectir sobre a especificidade do teatro em comparação com outros meios. Quais são as oportunidades particulares [ao teatro] que não são possíveis nos outros média, como a televisão, os filmes ou a internet? Mais uma vez a crítica é impelida a tornar-se mais teórica. É preciso que, de cada vez [que a discussão crítica for aplicada], questione as bases da prática artística que discute. E isto aplica-se a todas as práticas artísticas relativas a todos os domínios da arte.
Poderíamos então dizer que a discussão crítica se sente perdida?
Diria antes que está ser posta em causa, mais do que estar perdida. É apenas necessáriotratar das coisas num degrau acima. Será certamente mais fácil, diante de um público, apresentar-se como uma autoridade que reitera julgamentos de valor estético sobre o teatro ou a produção artística. Há quem o faça inclusivamente com bastante finesse. Já no início do século XX Edward Gordon Craig havia declarado que o teatro jamais poderia ser uma arte pura. O teatro esteve, e estará sempre, numa posição de compromisso, seja com o mercado, o patrocinador ou o poder politico, por razões estritamente económicas, como a necessidade de fazer dinheiro. E isto também porque, o teatro, nunca é uma forma artística, mas uma realidade banal e não-artística, que consiste em fazer accionar uma realidade de tempo e de espaço, uma situação técnica e social. Por isso o teatro jamais será uma forma de arte pura, e sobre a qual é necessário discuti-la enquanto prática “deitada em várias camas”.
Então porquê esta busca, de forma por vezes obsessiva, por parte dos críticos, da “pureza”?
Para combater a ansiedade. Uma demanda purista relacionada com a ansiedade e a agressão. A incerteza é todos os dias uma realidade da discussão crítica. E isto torna a tarefa deveras difícil. Há uma citação excelente de Walter Benjamin sobre a imprensa: “a imprensa deve estar actualizada todos os dias, e é por esta razão que ela está todos os dias um metro atrasada.” O que faz a actualidade, é a pesquisa, as questões e os problemas que, de um ponto de vista artístico, se colocam a um dado momento. E o mais frequente é que isto nem se transforme, no imediato, em algo interessante artisticamente.
O crítico vê apenas aquilo que é já um “resultado”, a superfície das soluções e não as questões de fundo.
Mas a discussão crítica deve ser, ao invés, um compagnon de route da pesquisa artística, e não tomar como tarefa principal o julgamento de um resultado. A margem de erro é considerável. É preciso esclarecer que esta ideia de compagnon de route não deve ser completamente isenta de um pronunciamento crítico sobre o trabalho. Contudo, a tarefa da crítica é tentar reflectir sobre a questão artística, o problema artístico, procurando concretizar algo que não se demita de reconstruir essa questão artística, ou esse problema artístico. Isso é mais importante do que pronunciar um juízo de valor sobre o “direito a existir” desse resultado. Isto pode no entanto ser excelente em casos individuais. Mas não deixo de sentir que na esfera pública contemporânea, se releva o aspecto comercial ou de marketing: uma, duas ou três estrelas. [A crítica] não vai além da sugestão de ir ver ou não: [isso é] marketing.
A maior parte das vezes imposta pelos jornais e não por escolha dos críticos.
As necessidades inexoráveis do mercado são uma realidade. Mas nenhum de nós se deve servir disso como desculpa. A crítica tem a responsabilidade de sublinhar aqueles aspectos aos quais o público não está habituado, de lhes proporcionar uma plataforma de compreensão, e não somente seguir o entretenimento dominante.
Mas se nos debruçarmos sobre a independência da discussão crítica, ela deve estar ligada tanto à dita objectividade e subjectividade, como à distância que a crítica deve ter relativamente ao artista e ao sujeito. Para quem escreve ele e a quem responde?
Trata-se de uma boa questão para colocar também aos artistas. Se quiser encontrar uma resposta categórica, o crítico deve olhar para si mesmo como um artista, um filósofo, um autor. E um autor é responsável, em primeiro lugar, por ele mesmo, depois pelo objecto, “a realidade” que projecta fazer passar, e somente em seguida, em terceiro lugar, pelo público. Joyce, Proust e Beckett jamais teriam escrito aquilo que escreveram se constantemente se perguntassem “Qual é a minha responsabilidade relativamente ao público?”.Os artistas importantes, assim como os críticos, dirigem-se sempre ao que eu chamaria um público potencial, não um público real. Existe uma bela citação de Adorno que diz “todos os seres humanos, sem excepção, não são já eles mesmos”. O público que hoje recusa um gesto potencialmente artístico e profundo (porque não podem ver para além da provocação ou da forma inabitual que é utilizada), provavelmente em breve, mesmo daqui a alguns anos, estará a seguir o artista e a descobrir novos domínios de possibilidades de expressão artística.
A forma como apresenta as coisas parece dizer que o lugar que o crítico pensa ter, como uma espécie de “olho de Deus”, é um lugar de ficção e que a crítica não tem a possibilidade de ver e saber ou de expor os aparelhos teatrais como bem lhe apetece?
Depois de Hegel, nenhum outro filósofo se imagina no lugar de deus. O século XIX é o último onde podemos encontrar essa ideia de totalidade. Nós não podemos hoje, por meio algum, crer que existe um critério de valor universal para alguém julgar a prática artística. É a realidade de um mundo multicultural. Temos todo um caminho a fazer em direcção às práticas artísticas vindas, por exemplo, da Ásia ou da Índia com as quais não partilhamos conceitos culturais de base. Devemos aceitar o desejo e a expressão de uma certa realidade mesmo que ela seja longínqua ao nosso contexto cultural.
Mas se a discussão artística se deve alargar de forma a conter outras possibilidades, significa isso que podem aumentar as possibilidades de interpretação de uma representação. Será que a teoria é algo aplicável? E neste caso, será que a segmentação da discussão da qual faz parte não conduzirá a uma outra coisa que é, precisamente, a especialização? Ou está simplesmente a fazer uma proposta teórica?
Só muito raramente pode a teoria ser aplicada de maneira directa. Mas a consciência daquilo que não conheço mudará a maneira como escrevo enquanto crítico. Cada artista, cada autor, articula realidades complexas que não conhece forçosamente bem. Ele pode, por exemplo, escrever sobre o meio proletário sem o ter nunca experienciado directamente. De uma maneira geral a arte é a possibilidade de ter experiências que nunca se teve pessoalmente. Sabendo que se trata de um campo limitado, devem-se expor as suas categorias. Se não as considerar adquiridas pode expor a sua perspectiva e isso permite, em retorno, que os outros intervenham e mostrem em que medida as suas observações podem ser falsas, dado que estão ligadas a um contexto específico.
Isto conduz-nos a uma aproximação mais exacta e directa mas é, no entanto, uma aproximação política da discussão crítica assumir o seu próprio contexto e expô-lo?
É sabido que o discurso crítico tem sempre uma dimensão política. Como diz Lacan “a significação daquilo que digo depende da resposta do outro”. O crítico deve estar sempre consciente da dimensão política daquilo que faz. Não acredito num discurso apolítico. Os valores estéticos, e as categorias que aplicamos, não são de um mundo separado, estão sempre ligadas a questões políticas, sociais, e culturais. Mas o aspecto concreto em si mesmo da prática artística, é uma questão complexa dado que não significa, necessariamente, a representação de uma realidade política.
Texto publicado em colaboração com a revista Mouvement. As actas do Congresso Internacional da Associação de Críticos de Teatro serão publicadas em livro em Abril, com apresentação no Premio Europa, em Wroclav, na Polónia.
Hans-Thies Lehmann, teórico do teatro e professor na Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt am Main, na Alemanha, para além de professor convidado das universidades Paris III, VIII e X, assinou, em 1999, um ensaio intitulado Teatro Pós-dramático (Postdramatisches Theater, no original alemão, Verlag der Autoren) entretanto traduzido e editado em dezassete línguas (há uma versão em português do Brasil e a Orfeu Negro prepara uma edição para 2010).
A obra é um marco na formulação do discurso crítico, por lançar luzes que clarificam os jogos teatrais face às possibilidade de recepção. Em tudo o que possa significar teatro, tendemos sempre a dimensioná-lo a partir da sua relação com o texto e o significado das imagens proporcionadas por este. Diz-nos Lehmann: “o que me interessa mais são os movimentos e desenvolvimentos, por isso escreviPostdramatisches Theater, que reúne parte das minhas reflexões ao longo dos anos em que me dediquei ao teatro. Tinha a impressão, pelo menos nessa altura, que não existiam linhas que pudessem traçar, para o futuro, um determinado número de novas maneiras, de novas formas, de pesquisa teatral. Sobretudo linhas que assentassem em julgamentos standard baseados no conceito estabelecido de teatro ‘dramático’”. Postdramatisches Theater observa o fenómeno teatral a partir dos diversos sistemas de análise que, ao longo dos séculos, o fundamentaram, nomeadamente o paradigma clássico e o modo como a cena contemporânea rompeu barreiras de forma a “inventar” um teatro actual. Convidando-nos a seguir uma prática crítica confrontada com as transformações sociais, políticas e culturais que assistem a criação artística, o autor de ensaios sobre Brecht, Sarah Kane e Heiner Müller, procura fazer relacionar o incornformismo do teatro com prática crítica, tendencialmente distante, numa obra que recentra o olhar crítico no objecto produzido, e com isso em toda o referencial de circunstância que o enforma.
Publicado na revista Obscena, Nº 18, Mai / 2009. (http://www.revistaobscena.com/index.php?option=com_content&view=article&id=318:hans-thies-lehmann&catid=17&Itemid=144&lang=pt)
31 de jul. de 2010
Conto nº 9 - No sereno
- Fora abordado por um indivíduo negro, que segurava, na mão esquerda, uma garrafa d´agua mineral com alguma coisa que parecia ser uma substância alucinógena, ou talvez aquilo fosse cola de sapateiro.
- Me vê ai um cigarro!
- O sujeito viu que só havia um cigarro dentro da embalagem. Pensou antes: Que merda! - Toma ai! - Ofereceu ao indivíduo.
- Tem isqueiro?
- Perai
- O sujeito procurou em todos os bolsos da calça e só foi achá-lo no de trás. Deu-o na mão do indivíduo.
- O indivíduo acendeu o último cigarro do sujeito e colocou o isqueiro dentro do bolso de sua bermuda suja.
- O sujeito, vendo que estava a ponto de perder o objeto para o indivíduo, pediu que este lhe devolvesse.
- O indivíduo de pele magra ficou encarando-o por uns breves cinco segundos. Retirou do bolso de sua bermuda encardida uma caixa de fósforo e passou para as mãos do sujeito.
- O sujeito retrucou, dizendo que a caixa de fósforo não era dele. Ele queria de volta o isqueiro. Mas amansou sua voz. Replicou de uma maneira menos agressiva. Tentou dialogar com o indivíduo, como podemos dizer, de igual pra igual, como se o argumento do sujeito fosse sensibilizar, de certa maneira, o espírito do indivíduo, absorvido pela inalação da maldita quimica.
- O que que você tá falando?
- O sujeito deu as costas para o indivíduo mas fora interpelado pelo próprio. Agarrou-o pelo braço, sem que o outro oferecesse resistência. Entre outras coisas, passou pela cabeça do indivíduo que poderia agir de má fé com o sujeito. Ou que, talvez, o sujeito estivesse gostando da situação de confronto ali entre os dois.
- O indivíduo não gostava da forma como o sujeito olhava nem falava com ele. Perguntou se ele não tinha medo de perder a vida. Apalpou os bolsos da calça do sujeito. Pediu dinheiro e não queria gracinhas, porque ele estava com uma arma escondida dentro da sua bermuda velha. Não havia nada ali dentro.
- Fica parado aqui porque? Tá com vontade de pegar os viadinhos pra dar a bunda?
- Não tenho nada pra te dar não, acabei de sair de uma festa e estou a caminho de casa.
- O sujeito e o indivíduo ficaram se encarando.
- Sujeito: E essa garrafa ai?
- Indivíduo: O que é que tem ela?
- Sujeito: O que é isso ai?
- Indivíduo: Isso aqui? Nada não. Isso aqui não é nada não.
- Sujeito: E o isqueiro?
- O indivíduo sem camisa botou a mão no bolso e pegou a caixa de fósforo.
- O sujeito pegou a caixa de fósforo, guardou no bolso de sua calça e desapareceu numa rua deserta do Centro da cidade.
27 de jul. de 2010
26 de jul. de 2010
Crônica - Aqueles filmes que ainda não assistimos, mas que iremos assistir em algum momento de nossa existência, que eu espero que seja longa
30 de jun. de 2010
Ensaio nº 2 - A Exposição da Carne
O material que serviu como mola propulsora elementar no processo de concretização desta performance fora um trecho selecionado do capítulo 6, extraído do romance A Carne, do paulista Julio Ribeiro, escrito em fins do século XIX, considerado pelos críticos de sua época como um livro obsceno, escandaloso e intensamente pornográfico[1].
No final deste capítulo, a protagonista do romance, Lenita, descobre que um negro fugido, que fora capturado de uma fuga, sofreria o castigo do bacalhau (chicote de couro cru trançado) pelo capataz da fazenda, à mando do coronel. Tomada pela curiosidade em testemunhar a punição severa, comum aos escravos na época, a moça se esmera em ir até o local do castigo na note anterior sem ser notada, faz um buraco na parede de barro à altura dos olhos, pega no sono ali mesmo e, ao amanhecer, desperta ao ouvir o ruído dos colonos que chegam ao espaço para aplicar a esperada surra. O “urro medonho” do escravo, que tinha sua pele dilacerada pelas correntes que esfolavam as suas costas e nádegas, é descrito na narração com requinte de detalhes, provocando, na doce menina, espasmos de prazer e comoção:
Estava pálida, seus olhos relampejavam, seus membros tremiam. Um sorriso cruel, gelado, arregaçava-lhe os lábios, deixando ver os dentes muito brancos e as gengivas rosadas. O silvar do azorrague, as contrações, os gritos do padecente, os fios sangue que ela via correr, embriagavam-na, dementavam-na, punham-na em frenesi: torcia as mãos, batia os pés em ritmo nervoso. Queria, como as vestais romanas no ludo gladiatório, ter direito de vida e de morte; queria poder fazer prolongar aquele suplício até a exaustão da vítima; queria dar o sinal, pollice verso[2], para que o executor consumasse a obra. E tremia, agitada por estranha sensação, por dolorosa volúpia. Tinha na boca um saibo[3] de sangue. (A Carne, cap. VI, pag. 52)
A possibilidade concreta de me apropriar do texto literário, e de transformá-lo num evento performático, surgiu no início deste semestre, quando apresentei a ideia de desenvolver um processo de criação dramatúrgica autoral em forma de projeto, para avaliação do chefe do departamento de Teoria do Teatro da UNIRIO Danrlei Freitas (a quem eu tenho que agradecer imensamente), sob orientação da Professora Tania Alice e dos alunos teóricos Dâmaris Grün e Raphael Cassou (este último, responsável pelas imagens fotográficas). Esta atitude artística foi pensada também como resultado prático de minhas pesquisas como bolsista de Iniciação Científica junto ao CNPq, que durante três anos, investiguei metodologias e concepções de encenadores contemporâneos (tratam-se dos paulistas Antunes Filho e Bia Lessa) no ato de retirar a fábula das páginas do livro e processá-las em imagens possíveis no espaço privilegiado do palco.
Entre as múltiplas possibilidades que o trabalho de criação com um texto escrito para ser lido possa oferecer, os meios pensados para estruturar e chegar a um denominador comum oscilou entre muitas incertezas e dúvidas incômodas. O que havia de concreto desde o início era a vontade e a necessidade que me perseguia e que me consumia desde há muito tempo em transformar este romance em presença cênica. E foi no ato de voltar à letra do autor, de retornar as páginas dionisíacas do romance que pude encontrar a imagem ideal e o mote concreto que me daria embasamento para encarar tal empreitada[4]: o contato entre Lenita (mesmo à distância) e o negro flagelado; as convulsões de prazer e êxtase de presenciar o esfolamento da pele já castigada do escravo fugido, as sensações de embriaguês e demência de ver jorrar sangue que escorria pelos fios da chibata. Essa fatia da narração me obrigou a ser posto no lugar do negro e me oferecer às muitas Lenitas que apareceram no espaço da casinha, induzindo-as a que tomassem coragem e assumissem o ato libertador que a protagonista do romance não teve.
Talvez seja este o ponto de partida que nos faça refletir sobre a pulsão elementar, expressão que fora citada por mim no primeiro parágrafo deste texto, extraída do ensaio de Deleuze, conceito este que ajuda a formular, no imaginário, a atmosfera que tentou-se atingir na constituição desta performance. O autor do ensaio Do afeto á imagem: a imagem-pulsão é categórico na descrição para o entendimento do termo, tornando-o reconhecível
Por seu caráter informe: é puro fundo, ou melhor, um sem-fundo feito de matérias não formadas, esboços ou pedaços, atravessado por funções não formais, atos ou dinamismos enérgicos que não remetem nem mesmo a sujeitos constituídos. Nele os personagens se acham como animais: o homem mundano é ave de rapina, o amante é um bode, o pobre, uma hiena. Não que eles tenham a forma ou o comportamento destes, mas seus atos precedem qualquer diferenciação entre o homem e o animal. São bichos humanos. E a pulsão não passa disso: é a energia que se apodera de pedaços no mundo originário (Deleuze, 1983:143-144)
Deslocou-se o meio histórico e geográfico determinado da fazenda, que servia como pano de fundo do romance oitocentista, para o campus do Centro de Letras e Artes da UNIRIO. O escravo castigado tornara-se artista, sujeito e objeto desejoso, o performer que se entregara a uma exposição completa da carne para ser açoitada ou manipulada por quem quer que fosse, quem sentisse vontade de bater ou açoitar. Desejo estético adensado e prolongado durante o tempo que durou o evento, quase uma hora, na tentativa de esgarçar até o máximo do possível, no lócus privilegiado da performance, as paixões, sentimentos e emoções experimentados ou reprimidos por homens em um meio real. A relação só se dava por completo quando os testemunhos, “as ações ou os comportamentos, as pessoas e os objetos” (145) daquele suplício-show ocupassem aquele meio canto sombrio da casa, iluminado somente por velas e pelo flash da câmera de fotografar.
Referência Bibliográfica
DELEUZE, Gilles. Do afeto à ação: a imagem-pulsão. In: Cinema: a imagem movimento. Tradução: Stella Senra. São Paulo: Editora Brasiliense S.A, 1983.
RIBEIRO, Júlio. A Carne. São Paulo: Editora Três, 1972
[1] Para um maior aprofundamento sobre o romance naturalista, seu autor oitocentista e o contexto social em que vivia, recomendam-se duas publicações distintas e atuais do professor do Depto. de Ciências Humanas da UNESP, Marcelo Magalhães Bulhões: o primeiro, o lançamento da nova edição de A Carne, de Julio Ribeiro, com apresentação e notas do autor, sob a tutela do Ateliê Editorial, 2002, e o segundo, o estudo de Leituras do desejo: o erotismo no romance naturalista brasileiro, publicado pela EDUSP, 2003.
[2] Gesto do imperador romano, que, mostrando o dedo indicador para cima ou para baixo, salvava ou condenava à morte o gladiador vencido na arena. Grifo do autor.
[3] Sabor.
[4] Antes de me decidir pela performance, iniciei, no primeiro período do ano de 2009 um trabalho de inevstigação cênico-drmaturgico priorizando a enunciação do embate estético-moral, publicado em periódicos, no final do século XIX, envolvendo o autor do já citado romance, Julio Ribeiro e o seu mais ferrenho crítico, o membro do clero católico Padre Senna Freitas, e que na década de trinta do século XX, fora organizado por Orígenes Lessa em livro, com o nome de Uma Polêmica Célebre. O trabalho com os atores Pedro Kligerman e Maurício seria apresentado no Festival Aldeia Jacarepaguá na Escola SESC de Ensino Médio, no Rio de Janeiro.