22 de jul. de 2008

Crítica - Resistir é Preciso – O trabalho de Adaílton Medeiros à frente do Ponto Cine em Guadalupe.

O tema sobre distribuição de filmes nacionais em salas de exibição afastados dos grandes centros ou de bairros com maior acesso à bens culturais (leia-se Zona Sul) do Rio de Janeiro é assunto que rende discussões intermináveis.

Não estou querendo com isso prolongar tal discussão, mas sobre a reportagem lida no jornal O Globo[1] desta terça feira, cuja primeira página do Segundo Caderno tratava-se de uma resposta do Sr. Adaílton Medeiros ao cineasta Murilo Sales, o qual sugeria a criação de salas digitais pelo Brasil, desconhecendo que o único espaço com tal recurso em nossa cidade é o Ponto Cine, sala de projeção localizado no bairro de Guadalupe – Murilo se manifestara à respeito, afirmando que sabia da existência do espaço, porém desconhecia o interesse do próprio administrador do cinema de lançar o filme em sua sala, confirmando logo em seguida, o lançamento de "Nome Próprio" para sexta feira, dia 25/07/2008 – é importante deixar registrado o reconhecimento do trabalho solitário de um indivíduo que, assim como uma voz solitária perdida na imensidão da mediocridade, batalha de forma desinteressada pela qualidade de vida de uma parcela da sociedade carioca desprovida de cultura através do cinema, buscando fomentar nesta platéia específica, o gosto e o hábito de assistir e prestigiar produções nacionais fora dos padrões convencionais que a grande indústria do entretenimento popular brasileira (leia-se Globo Filmes), atualmente tenta produzir articulada com a estética da indústria hollywoodiana.

Esta resposta escrita pelo próprio Adaílton ao artigo de Murilo Sales é necessária para que nós possamos refletir como realmente vale a pena ter força de vontade e uma parceria competente para levar à cabo esse tipo de empreitada, que só dá resultado de médio à longo prazo, vide o exemplo do Grupo Nós do Morro, que ao longo destes vinte anos de estrada e perseverança, conseguiu formar uma platéia cativa na própria comunidade do morro do Vidigal, onde a companhia foi gerada, além de ter o reconhecimento da crítica e do grande público freqüentador dos nossos palcos à cada novo trabalho estreado.


Além do Ponto Cine, o único pólo de diversão e entretenimento dos moradores de Guadalupe é a Lona Cultural Terra. Os moradores dependem da programação que lhes são oferecidos, sem ter muito poder de escolha. A partir daí, quem quiser acompanhar uma temporada teatral de grande sucesso ou assistir um filme mais cultuado, que não tem espaço nas salas de cinema dos shoppings centers locais, são necessariamente obrigados à fazer o longo percurso de se deslocar das suas casas até o Centro ou Zona Sul.


Sobre os atuais "múltiplex" estruturados para dentro dos shoppings, algumas considerações devem ser feitas. O primeiro ponto a ser discutido trata-se do preço dos ingressos cobrados nos cinemas que abrange a grande população suburbana. Com a proliferação dos grandes centros de loja, os tradicionais cinemas de rua modificaram seu perfil, se adequando ao novo espaço e à demanda de quem o freqüenta, desdobrando-se em numerosas salas, abrigando a maior quantidade de público, assim como determinado segmento de filme que os agrade, os pipocões hollywoodianos. A grande questão é que, hoje, estas salas de exibição cobram praticamente o mesmo preço que os cinemas da Zona Sul cobram na venda de seus ingressos. Quem for assistir o filme Hancock, protagonizado pelo astro Will Smith, no UCI do Norte Shopping ou no Knoplex do Nova América, por exemplo, vai ter que desembolsar de R$17 a R$19 reais, nos fins de semana, preço mais caro que o ingresso vendido no Cinemark de Botafogo – concorrente mais direto – cujo valor da sessão varia de R$15 à R$17 reais. O mesmo filme pode ser visto no vizinho Unibanco Artplex, onde cobra, atualmente, R$16 reais. Outro exemplo é o megasucesso Batman, onde o elevado preço do ingresso, no Shopping Tijuca, equivale ao do tradicionalíssimo Roxy em Copacabana, que cobra R$15 reais até às 17h e R$18 após este horário. É necessário afirmar que há lugares no subúrbio do Rio onde podemos assistir os mesmos filmes citados, com preços mais em conta, porém, mesmo assim, cinema de shopping é caro, e o que eu quis focar com estes levantamentos descritos é que há áreas de concentração, na mesma Zona Norte, onde o público paga o mesmo e caríssimo ingresso vendido como se estivesse em alguma sala de exibição da Zona Sul carioca. Em outras palavras, diversão de classe média.


O segundo ponto refere-se ao espaço cedido por estas “gigantes” distribuidoras ao mercado nacional. É raríssimo deparar-nos com filmes nacionais de produções medianas ou com poucos recursos para lançamentos, em mídia impressa ou televisiva, que conseguem entrar em cartaz nestes cinemas voltados basicamente para o consumo cinematográfico considerado digestivo. Quando conseguem, tem a duração estipulada para uma semana somente. Alega-se que o prejuízo é grande, ou que determinado tipo de público não está habituado a assistir certos filmes. Então, pré julga-se que, de alguma localidade pra cima, ou seja, quanto mais se afastado do Centro ou da Zona Sul carioca não há vida inteligente ou que não há nenhum ser humano que goste de contemplar determinadas obras que primam por uma atenção mais apurada.


Assim que Murilo Sales esclareceu que, o que aconteceu entre ele e Adaílton Medeiros foi uma tola falta de comunicação, permitindo desde já o lançamento do seu mais recente filme, estrelado por Leandra Leal, baseado na obra de Clarah Averbuck neste sexta feira próxima, em seu cinema de Guadalupe, que outros cineastas se entusiasmem e procure o local para divulgar seus filmes, criar diálogos com aquela platéia, possibilitando a troca, a discussão, a cultura sendo exercida de modo democratizado e cidadão.


Creio que o caminho para esta situação seja a propagação de mais Pontos Cine em diversas áreas da cidade, ou pelo menos que os espaços cinematográficos se tornassem mais híbridos. Será que este tipo de pensamento ainda é considerado utópico? No bairro do Méier, a indefinição sobre o destino do Imperator continua rendendo pano pra manga. Agora, nas mãos da prefeitura, nada se sabe sobre uma atual reabertura da casa. E assim é tratada a coisa pública pelos nossos governantes.


[1] MEDEIROS, Adaílton. Arroz, feijão e cinema. O Globo, Segundo Caderno, 22/07/2008.